Provavelmente você já tenha visto a sanfoneira de fé por Araçatuba
Por Beno Bond
Nova TV
“Minha mãe só descobriu que eu não enxergava depois de 6 meses, já meu pai, morreu sem saber, não queria deixa-los tristes”.
Se você é morador de Lins(SP) já deve ter visto uma senhora toda arrumada, com os cabelos arrumados, educada e gentil tocando uma sanfona no calçadão da cidade.
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E foi em uma das vezes que vi essa senhora tocando sanfona que meu lado jornalístico falou alto. Queria saber: Quem era? De onde vinha? Tinha família? Por que ela estava ali?
E nessas horas Deus trilha meus passos e me leva até histórias incríveis, como essa, da dona Clarice de 73 anos.
Era noite de sábado e o cantor Jorge Vercillo iria se apresentar na cidade, o produtor me avisou que ele iria dar uma entrevista dentro do hotel Plaza. Eu, que sou fã do cantor, já estava ansioso pela entrevista e me dirigi para o hotel. Ao adentrar a sala principal lá estava ela, a sanfoneira, sentada e sozinha. Fiquei alguns minutos parado olhando pra ela, mas como tinha uma matéria pra fazer com o cantor sabia que ainda não era o momento ideal para tentar conhecer a história por trás daquela sanfona.
Logo em seguida fui avisado que o cantor tinha mudado o local da entrevista, nesse momento tive a certeza de que aquela história estava pedindo para ser contada, eu não tinha ido até aquele hotel a toa.
Duas semanas inteiras se passaram e outra matéria me levou novamente ao mesmo hotel. Desta vez foi inevitável! Pedi ao funcionário para que chamasse aquela senhora que tocava sanfona no calçadão.
Minutos depois ela chegou, apresentei-me e ela aceitou dar uma entrevista.
Já posso antecipar que se trata de uma pessoa que mesmo com deficiência visual é extremamente independente, determinada, educada, falante e de uma gentileza única.
A entrevista aconteceu na sala de entrada do hotel Plaza e durou cerca de 1h30.
Dona Clarice Montonvani de 73 anos, nascida em Arealva(SP), morou por muitos anos em um sítio em Ribeirão Bonito e tem como uma de suas músicas preferidas ‘ Mágoa de Boiadeiro’ pois lembra sua infância.
Aos 14 anos aprendeu a tocar violão e a cantar. Aos 15 anos foi morar em Bauru(SP) onde o pai queria que ela e a irmã, Helena, seguissem carreira artísticas.
A sanfona surgiu ainda com 15 anos, pois a irmã já tocava violão ela decidiu aprender sanfona depois que um amigo sugeriu, inspirado nas irmãs Galvão.
Clarice se apaixonou imediatamente pela sanfona e não parou mais.
Clarice, perdeu totalmente a visão da noite para o dia, aos 16 anos, quando em um final de tarde sentiu uma dor muito forte no olho, uma grave doença afetou o nervo óptico.
Clarice se emociona e chora ao relatar que escondeu dos pais que tinha ficado cega, pois não queria dar essa tristeza para eles. “Qual pai quer ver seu filho doente ou com algum problema? Eu não queria deixar ninguém triste”. destaca Clarice.
Clarice relata que na mesma noite que perdeu a visão, levantava de hora em hora, ligava a luz e se olhava no espelho para ver se tinha voltado a enxergar. ” A única coisa que eu pedia a Deus é que se não voltasse a enxergar que ele me confortasse para seguir em frente”, disse Clarice.
Clarice conta que em muito pouco tempo tinha a casa inteira decorada na cabeça e sabia andar sem esbarrar nos móveis. Ela relata que algumas vezes o pai levava os amigos para vê-las tocando e cantando e que nesses dias ela já deixava a sanfona e um banquinho preparado, onde em uma mão colocava a sanfona e na outra mão segurava o banco, sendo assim ela se liberava de ter que cumprimentar alguém e seu ‘segredo’ ser descoberto.
O pai chegou a questiná-la depois de um tempo o porquê dela não sair mais de casa e com aquele ar doce e boa de papo, que carrega até hoje, sempre conseguia dar uma desculpa.
A mãe, Cezira, veio a saber depois de 6 meses, já o pai Augusto, acreditem, faleceu 12 anos depois e nunca ficou sabendo que a filha tinha ficado cega.
Clarice toca sua sanfona nas cidades de Lins, Marília, Araçatuba, Birigui, Rio Preto, Bauru e Presidente Prudente.
Em cada cidade ela chega a ficar por 10 dias como é o caso de Lins. Em Lins ela toca sua sanfona das 9h às 18h e destaca a generosidade das pessoas que deixam algum dinheiro pra ela.
Quando eu pergunto se ela tem ajuda de alguém na cidade, ela abre um largo sorriso e destaca os funcionários do hotel Plaza. ” Eles cuidam de mim, passam manteiga no meu pão pela manhã e me ajudam em várias coisas” e também tem o pessoal da loja Evidência. “O dono da loja Evidência, o Maurício, além de deixar eu guardar todos os dias minha sanfona e meu banquinho na loja, ele pede pra funcionária da loja me buscar pela manhã e me trazer no fim da tarde, todos os dias” diz Clarice.
Clarice diz não se sentir sozinha e nem triste, ela tem uma filha que mora em Araçatuba que já quis várias vezes levar a mãe para morar lá, mas o lado independente que contei no início dessa matéria, sempre fala mais alto. Clarice gosta de ter suas coisas, ama viajar pelas cidades e tocar sua sanfona.
E eu? Eu saí daquele hotel com lágrimas nos olhos e muito feliz de ter a oportunidade de conhecer uma pessoa tão generosa, que chegou ao ponto de não contar para os pais algo tão sério apenas para não vê-los tristes.